Saturday, September 29, 2007

O tutano da minha pátria.





Imagina uma pequena imagem, uma fotografia talvez ou um simples cenário, fruto da tua imaginação: escuro, um ligeiro tom avermelhado e por alguma razão, nada vez senão uma coluna. À direita da coluna de pedra um casal, vestido formalmente ouve e sente aquele ambiente. Na coluna, a fadista camuflada no seu tom preto e apoiada no ombro do guitarrista marca a presença. Na sua frente, o contra-baixista e o violista. À chegada nada nos parecia senão vulgar. A mim pelo menos, algo me constrangia e ao sentar-me dei conta do que era:

As lágrimas escorriam na cara daquela mulher perante o jeito com que o guitarrista tocava, descontraidamente como se o fizesse desde ter aparecido na barriga de sua mãe. Este mesmo guitarrista lançava curtos mas suficientemente óbvios olhares à mulher à sua direita. O marido da mesma, como que em jeitos de compreender o que corria na cara da sua acompanhante puxou-a e encostou-a a seu ombro. O guitarrista não se importou e o seu solo declamou: não sou ciumento. Os ciúmes do marido eram mais que evidentes mas, a minha compaixão estava indecisa. Baixei a cabeça por uns momentos ora impressionado com o ambiente ou preocupado com o pobre homem. Onde ficarias tu? Para onde olharias? Pensava eu: ‘Que sensação esta que me corre. Fico do lado do marido, onde a preocupação de ver alguém tão virtuoso roubar-lhe a atenção a que sente ter direito por momentos, assusta-o tamanhamente ao ponto de levar a mulher à casa de banho com ele? Ou antes do lado da mulher onde a sensibilidade com que esta sente a guitarra, ou tudo um pouco, mostra a beleza do que lhe vai na alma? Para ser perfeito, apenas tiraria o casal. Bom, ao tirá-lo, a beleza da situação era tão mais ou a mesma. Na verdade, fugo ao que interessa. A sala preta é deslumbrante sem ninguém, bastava-lhe os músicos, a vocalista e seus instrumentos. Ei, porque ficou o guitarrista sozinho em cena? Já acabou? Ah! Um solo de guitarra... Que beleza... Este som parece levar-me numa barcaça ao longo de um rio, cada vez mais rápido, cada vez mais entusiasmante, e de repente trava e puxa-me para terra. Esta guitarra... Aliás, tirava o casal, o contra-baixo, a viola, os respectivos músicos e sim, talvez a vocalista. Definitivamente... nada mais belo.’ A mais bonita das paisagens com o ligeiro tom alanrajado do por do sol e uns belos pássaros passava agora mesmo na minha cabeça. Por fim, o guitarrista saiu. A sala ficou vazia comigo a um canto. Talvez aliviado de ter corrido tudo bem, este deixou a guitarra na cadeira. Tirava tudo, os homens e as mulheres e a beleza desta mesma guitarra seria a mesma. A beleza que tem, é beleza por ela mesma. As mãos que eu admiro ao tocarem aquela guitarra nada seriam se não fosse essa mesma guitarra. É bela por sí só. É talvez, a beleza em sí. A maneira como o seu som toca o coração de cada pessoa alí presente. Não, não só alí presente mas eternamente aqueles que foram condenados a ouví-la.
Não, é apenas algo mais.

Isto é Portugal.


Um abraço,
João Santos.